Segunda visita dos
grupos JÁ e TREME TERRA na aldeia Guarani Tenondé Porã de Parelheiros, cidade
de São Paulo, dentro do Projeto TEIAS JOVENS.
Dia 10 de
abril de 2012, às 18h30, eu, Juliana Schalch, Rafael Lemos, Carolina Nagayoshi,
Giulliano, Ronaldo, Adonai, Thiago Freitas, Lilian Cardoso e Leonardo Mussi, chegamos
em dois carros e uma moto para o segundo encontro de intercâmbio cultural na
aldeia Guarani Tenondé Porã, depois de mais de duas horas dirigindo para chegar
no local. Impressionantemente dentro dos limites da cidade de São Paulo,
Parelheiros é uma região rural, onde o centro do bairro parece uma cidade do
interior de São Paulo, com um coreto, uma pracinha, uma igreja e o comércio local.
Na direção da aldeia, passamos por sítios com cavalos, vacas, plantações,
lagoas... e isso ainda é dentro da metrópole São Paulo, cidade com absurda
variedade de povos, culturas, vegetação, clima, enfim, nossa cidade com todas
as contradições inerentes.
A Juventude
Ayahuasqueira do Centro de Estudos Xamânicos da Expansão da Consciencia Porta
do Sol – JÁ, se propôs a conhecer um pouco mais da cidade de São Paulo e
ampliar a rede de contato com essas culturas diversas de nossa cidade. Quando
decidimos realizar este Projeto PRA
TREMER A TERRA JÁ! junto ao Grupo de percussão e cultura afro-brasileira TREME
TERRA com uma comunidade indígena Guarani, foi para diminuir os preconceitos,
as distâncias e o esquecimento entre esses grupos.
Como bem nos
lembrou o Prof. Claudio, Guarani que dá aulas de Artes e Educação Física e é um
dos líderes jovens da aldeia Tenondé Porã, o Brasil tem hoje em torno de 220
povos indígenas diferentes, com uma variação de 180 línguas, fazendo do Brasil
o país onde existe a maior diversidade de línguas do mundo, mais do que na
Índia e China! Quando os europeus chegaram aqui nesta terra e dizimaram milhões
de seres humanos indígenas, passavam de 1000 povos originários destas terras.
Quase 800 etnias foram extintas em 512 anos.
A aproximação
com estes indígenas Guarani que moram na mesma cidade que nossos grupos é quase
um dever de responsabilidade social e cultural. Tanto o JÁ quanto o TREME TERRA
são grupos que estudam culturas populares do Brasil, o JÁ pelo viés do
xamanismo e o TREME TERRA pela música e dança. Como resistentes ao massacre
promovido oficialmente por nossos antigos colonizadores, os Guarani são aqueles
fortes que sobreviveram e mantiveram sua cultura presente na formação do povo
brasileiro, especialmente nas regiões Sul e Sudeste.
Chimarrão
quente ou o Tererê gelado, costumes muito presentes no Sul e Sudeste do Brasil,
símbolo dos gaúchos dos Pampas, é de origem Guarani, dos índios que ainda vivem
nessas regiões e ensinaram aos europeus esse antigo costume de utilização
ritualística da erva mate, que é sagrada para os Guarani, assim como o tabaco
(outro costume de origem Guarani), pitado por crianças, jovens, adultos e
velhos de forma sagrada, sem tragar a fumaça, apenas fazendo com que o tabaco
defume a aura espiritual do indivíduo e do local, chamando os bons espíritos e
afastando os indesejados, conforme tradição xamânica do povo Guarani.
Nossos grupos
foram recebidos dentro da Grande Opã, a Casa de Reza dos Guarani, para
participarmos da cerimônia que realizam todas as noites. Levamos pacotes da
erva mate para fazer chimarrão e tabaco para o petanguá – o cachimbo Guarani.
Ali já se encontravam as mães das crianças preparando esteiras de palhas e
folhas cobertas por mantas, onde todos se acomodavam confortavelmente em torno
de uma pequena fogueira, esquentando o local como uma lareira. Nesse fogo a
água para o chimarrão era fervida e saíam as brasas para acender o petanguá.
O Tiramoãe (um
tipo de Pajé Curandeiro que não é feiticeiro) Sebastião, um dos líderes
espirituais e médico da aldeia, nos recebeu dentro da Opã e nos deixou bastante
à vontade; entregamos o tabaco a ele e ao pedirmos autorização para registro em
foto e vídeo, ele não deixou, pois é proibido o registro de imagens dentro da
Opã, principalmente durante os rituais.
As crianças
abriram o rito da noite cantando e dançando por mais de uma hora. São muito
resistentes. Melodias muito afinadas, com notas repetitivas e simples, entoadas
a noite inteira, provocando um transe coletivo, ou seja, um estado meditativo,
elevando a frequência cerebral de ondas Beta à Alfa, saindo do estado cotidiano
profano para o sagrado ritualizado.
As meninas
formavam uma fila em frente à fila dos meninos. Era um responsório musical, ora
elas perguntavam e os garotos respondiam, ora o contrário. Havia uma banda masculina
com um violão, um maracá e um violino-rabeca que os índios tocavam; Adonai (um
dos representantes do Treme Terra que também participa do JÁ) e Thiago (do JÁ)
com tambores Djembés e Leonardo (Porta do Sol) com seu maracá, acompanharam a
banda do ritual indígena autorizado pelo Tiramoãe Sebastião, concretizando o
objetivo da noite – um intercâmbio musical. Como a noite toda foi um grande
ritual, Sebastião e Jerá (nossa interlocutora, professora da escola Guarani e
líder feminina jovem da aldeia) pediram para que oferecêssemos nossas músicas
em outro dia. Combinamos de levar alguns Guarani para nossa Opã em Mairinque, a
sede da Porta do Sol Central para apresentar nossas músicas a eles.
Generosamente
fomos convidados a participar deste ritual Guarani e conhecer um pouco mais da
cultura deste povo brasileiro ancestral. Um ritual de Cura nesta noite. Alguns
adolescentes estavam com algumas doenças espirituais e o Tiramoãe (Xamã)
Sebastião e sua esposa, “trabalharam” para curá-los, com muita defumação,
passes, cantos, danças, vibrações e alegrias. Dividimos a intimidade espiritual
daquele grupo indígena, uma vez que participamos na condição de assistência,
vibrando, cantando, tocando, dançando com o objetivo de elevar o padrão de
vibração de todos, visando a cura espiritual de todos.
Lembrei muito
da forma ritualística da Umbanda. Tive a impressão de estar nos primórdios dos
ritos desta religião sincrética brasileira. Em determinados momentos, alguns
“médiuns” aplicavam passes cantando, defumando e dançando em torno dos
adolescentes que estavam no processo iniciático de cura. Os outros índios,
inclusive nosso grupo, estávamos como na corrente da assistência espiritual,
enquanto o xamã Sebastião e seus companheiros realizavam o trabalho de cura
espiritual.
Conversando
com outros índios nesta noite, eles contaram que esse trabalho de cura
espiritual é constante na aldeia e que o xamã está sempre disponível e é sempre
consultado, mesmo antes de consultarem os médicos do posto de saúde da aldeia,
para curar as doenças que acreditam sempre começar no plano espiritual.
Após o ritual
de cura, o xamã Sebastião e sua senhora se retiraram e o Profº Claudio deu
continuidade nas atividades da noite. Ao todo ficamos em torno de seis horas
dentro da Casa de Reza, cantando, dançando, pitando o tabaco, bebendo mate no
chimarrão; essa é a essencial do culto espiritual Guarani, e o JÁ e o TREME
TERRA tiveram a honra de participar na aldeia Tenondé Porã.
Claudio
conduziu uma série de outros cantos, danças e jogos de luta entre os garotos e
de exaustão para a cura das garotas (onde os garotos auxiliavam as meninas até
a exaustão delas). Os rapazes de nosso grupo foram convidados a participarem do
treinamento de guerreiro deles, em caráter de apresentação do que são seus
treinos de defesa e caça.
Este ritual
foi especialmente dedicado à cura das garotas adolescentes da aldeia.
No final,
Claudio fez uma grande explanação em Guarani para todos e depois falou em
português para nós, que estávamos em dez pessoas. Disse que para a aldeia era
uma satisfação nos receber e agradeceu nosso interesse, e a oportunidade de transmitir a cultura
Guarani que é de muita resistência e bravura, sendo esses os principais motivos
de sua existência até hoje, tendo passado por todo o período de enorme desafio
durante a colonização do Brasil, onde adotaram muito estrategicamente a
política da boa vizinhança em toda região sudeste e sul do país.
Eu agradeci
também, em nome da Porta do Sol, do JÁ e do Treme Terra, a oportunidade de
vivenciar essa experiência rara entre os jovens de nossos grupos que se dedicam
a estudar profundamente a cultura brasileira. Outros JÁs também agradeceram e
deram seus depoimentos. Foi de muita riqueza cultural, social e espiritual esta
noite dentro da Opã Guarani de Tenondé Porã.
Claudio
reforçou o convite para fazermos novas visitas e participarmos do batismo
Guarani provavelmente em agosto. Em seguida fizemos um grande lanche coletivo,
contando piadas, dando muita risada e planejando novos encontros.
Agradecemos à
Jera, ao Claudio, ao Paulinho e ao Tiramoãe Sebastião, e às suas famílias, toda
generosidade em compartilhar suas sabedorias no exercício da tradição Guarani,
nos acolhendo como membros da aldeia.
Carlos Henrique Guimarães
Um dos coordenadores do JÁ e um dos proponentes deste projeto
Nenhum comentário:
Postar um comentário